A Penha, na lembrança da visão de uma criança
Depoimento de Eduardo Alves,
Não há quem tenha
Mais saudades lá da Penha
Do que eu, juro que não
Não há quem possa
Me fazer perder a bossa
Só saudade do barracão
"Meu barracão não era na Penha e sim na Vila da Penha. Na Penha era o Parque Xangai, a 'Igreja lá do alto' (assim que eu chamava a Igreja da Penha, quando criança), o Parque Ary Barroso. Isso para mim já era suficiente, pois, quando meus pais me levavam para esses passeios desejados e esperados eu ganhava o meu dia. Correr, me esbaldar e, nas festas da igreja, ver cheio de lágrimas a linguiça escorrer do cachorro quente para o chão. Essa memória eu tenho intacta.
Essa pequena parte de poesia da música do Noel, com a qual início esse artigo, tem muito a ver comigo, pois, o samba, o chorinho, as músicas populares do Brasil, no meio um bom forró, chegaram cedo à minha vida. Meu pai tinha um grupo bem amador, mas com uma rede potente de relação musical. Muitos músicos de qualidade, famosos ou não, de um grande raio de bairros vizinhos da Vila da Penha chegavam na minha vida.
E por falar de vizinhança, esse raio era grande. Trata-se da Portela, já em Madureira até a Imperatriz em Ramos, passando por Vila Kosmos, Irajá, Vaz Lobo, Pavuna, Vista Alegre, Braz de Pina, Olaria e, é claro, a linda Penha dos parques e da 'igreja do alto'.
Não durou muito tempo para que a Penha ganhasse um irmão, o Bairro Circular da Penha. Muito tempo para mim, pois sou de 68 e minhas aventuras, mais ou menos por minha conta, são de 78. Agora posso dizer que estou muito tempo sem muitas relações com os bairros dali, mas, se minha memória não me falta muito, o bairro da Penha é do início do século e o bairro Penha Circular é da década de 80. Nessa altura da vida não sei mais o que é de um ou de outro... Onde estão meus antigos amigos da Rua Quito, da Rua Conde de Agrolongo ou da Avenida Lobo Jr?
Quando eu iniciei minhas andanças de bicicleta, a Penha era um dos lugares mais visitados pelas minhas pedaladas. Principalmente o Parque Ary Barroso, o preferido das minhas experiências. Ali era bom para a correria, as brincadeiras sem dinheiro algum. Até quando rolava um 'piquenique de pobre', o parque estava de braços abertos. Infelizmente, na minha meninice, não existia a Arena Carioca Dicró, inaugurada em 2012, que traz uma beleza ainda mais criativa e artística para o bairro.
Só não posso deixar de registrar que o Curtume Carioca também me apresentou uma vida de encontros, desencontros, festas, alegrias e trabalhos. Afinal, a minha filha, ainda quando bem pequena, foi para a Penha. Memória afetiva, repertório de criança, jovem e adolescente. Inclusive do meu ativismo político e da vivência mais rica da igreja na Teologia da Libertação. Da música, a vida, a arte, ao conhecimento, a Penha trouxe e sempre traz o que sempre seguirá comigo. É bom escrever e lembrar de lá, o lugar da 'igreja lá do alto'."
Eduardo Alves, originário da Vila da Penha, nasceu e foi criado no misto subúrbio popular e favela. Estudante só de escolas públicas, cursou entre as décadas de 80 e 90 faculdades de Economia e Ciências Sociais. Hoje é Diretor do Observatório de Favelas e Coordenador da Escola Popular da Comunicação Crítica.