Expografia Museu Histórico Nacional

Îandé – aqui estávamos, aqui estamos

No primeiro ambiente da exposição “Îandé – aqui estávamos, aqui estamos” há uma cenografia que reproduz as cavernas com pinturas rupestres encontradas no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Este parque abriga mais de 400 sítios arqueológicos e contém o maior acervo de pinturas rupestres do continente.
É um museu a céu aberto que comprova a presença humana em nosso território há mais de 30 mil anos. Os ancestrais dos nossos povos indígenas encontravam refúgio entre essas rochas e nelas registraram seus modos de vida, como as situações de caça em ocre vermelho. São testemunhas materiais de que a nossa história iniciou muito antes do contato com os colonizadores europeus.

Parede de Palavras Îandé

Frantz Fanon, em seu livro “Pele negra, máscaras brancas”, afirma que “falar é ser capaz de empregar determinada sintaxe, é se apossar da morfologia de uma outra língua, mas é acima de tudo assumir uma cultura, suportar o peso de uma civilização” e complementa que “todo povo colonizado […] se vê confrontado com a linguagem da […] cultura metropolitana” (p. 31-32).
Sem dúvidas, um dos principais instrumentos da colonização é a imposição da língua do colonizador e foi uma das violências empregadas contra os povos originários. Contudo, as heranças destes povos estão presentes também em nosso vocabulário. Além das palavras no painel, podemos citar alguns exemplos de bairros no Rio de Janeiro com nomes de origem indígena: Andaraí, Cachambi, Pavuna, Tijuca, Ipanema, Maracanã, Jacarepaguá, Turiaçu, Bangu, entre outros.

Expografia Îandé

Honório Peçanha 1945

Índia Jupira

A peça branca em que se vê a figura de uma mulher indígena é uma maquete de uma escultura tumular em gesso feita pelo artista Honório Peçanha em 1945 para o mausoléu de Francisco Braga, maestro e compositor erudito negro, autor do Hino da Bandeira e da ópera “Jupira” de 1900, inspirada na novela de Bernardo Guimarães. Nessa história, assim como outras narrativas indianistas do século XIX, os indígenas são idealizados, retratados como heróis e puros, os “bons selvagens”.
São os que se sacrificam, como ocorre com o suicídio de Jupira, o abandono e morte de Iracema e também de Pocahontas, demonstrando como o projeto de nação foi construído: o contato entre homens e mulheres indígenas romanceando esta relação como em Casa Grande e Senzala, como se em grande parte fora consentido (reforçando o mito da Democracia Racial), mas na verdade em grande parte foi sequestro, estupro e muitas vezes morte, onde a História foi construída com a lógica do genocídio, criando a narrativa dos indígenas que morriam em defesa dos brancos como Heróis Nacionais, o esbulho de suas terras narrado como justificativa de “progresso”, o que na verdade produziu uma diápora, e a exclusão dos povos originários em todos os sentidos, criando o etnocídio destes povos. Portanto a imagem de Jupira morta é construída exatamente a partir deste pensamento eurocêntrico que na prática perdura até os dias atuais.

Expulsão dos Franceses do Rio de Janeiro

O quadro relata a versão eurocêntrica, da fundação da cidade do Rio de Janeiro a partir da expulsão dos franceses, e como os portugueses se intitulam donos de uma terra já habitada. Primeiro não existiu descobrimento e sim invasão, pois existiam aproximadamente 8 milhões de pessoas em Pindorama (DENEVAN). Depois, já sabemos como as representações históricas são fantasiosas. Os europeus não desciam de seus navios após semanas no mar de forma heróica, e sim doentes, maltrapilhos e sendo socorridos pelos povos originários e seus cuidados medicinais.
A vitória dos Portugueses aliados aos Temiminós dão início à fundação da cidade do Rio de Janeiro, pondo fim à hegemonia do povo Tupinambá e sua resistência. É preciso frisar que desde a chegada dos portugueses, as doenças trazidas por eles e a resistência contra a catequisação e à escravidão, foi tecendo a teia da revolta que explode com a criação da grande Confederação dos Tamoios em 1554 e que vai resistir contra os portugueses até 1567 quando a Confederação é esmagada pelos portugueses, graças ao poder bélico português trazido com a influência de José de Anchieta para exterminar os povos que compunham a Confederação dos Tamoios. Cidades no Brasil são construídas sobre aldeias, e corpos indígenas. É todo um patrimônio material e imaterial soterrado para nascer as cidades. Portanto, a inauguração da Cidade do Rio de Janeiro foi construída em cima do primeiro e maior genocídio deste território, a grande Batalha de Uruçumirim, que foi travada onde hoje está o bairro da Glória, que tem esse nome devido os portugueses terem vencido, promovendo a carnificina contra o povo originário daquele lugar.

Armando Vianna 1940

Autor Desconhecido Séc XVII

Máscara de Ferro

Uma máscara de ferro, circundando a cabeça e tapando a boca, era utilizada como castigo, para que os escravizados não escondessem ouro e pedras preciosas na boca durante o trabalho nas minas, tornando-se também símbolo de silenciamento. É associada a Anastácia, escravizada retratada com a máscara, considerada santa na devoção católica popular, cultuada também por espíritas e umbandistas. Conta-se que seus restos mortais foram sepultados na Igreja do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos e que teriam sumido após um incêndio. Existem santuários em sua homenagem, como em Benfica. Atualmente, é comum ver reproduções de sua imagem sem a máscara, com um sorriso, obra criada pelo artista negro Yhuri Cruz.

Vista da lagoa do Boqueirão e do Aquetudo da Carioca

Os chafarizes foram fundamentais para o abastecimento de água na cidade, principalmente as canalizadas pelo rio carioca. Em um dos quadros vislumbramos os Arcos da Lapa, estrutura construída com a mão de obra escravizada indígena e africana no período colonial para funcionar como um aqueduto. Contudo, boa parte dos brasileiros desconhecem o motivo que fez D.João VI construir os Arcos da Carioca. A floresta estava sendo derrubada para implantação de fazendas de café. Sem floresta, a água que vinha do Rio Carioca começou a minguar, fato que chamou a atenção para a importância das florestas. Assim, o monarca começa a retirar as fazendas passando a reflorestar o lugar. Importante pensarmos: por que a presença de obras indígenas no país é tão invisível? Por que seus conhecimentos são absorvidos e nunca dão os créditos necessários aos conhecimentos tradicionais? Estas são perguntas que em pleno século XXI exigem respostas.

Leandro Joaquim Séc. XVIII

Hans Nöbauer 1920-1929

Domingo de festa na Fazenda

Embora ocupem o mesmo espaço, observe as pessoas retratadas nesta obra do artista austríaco Johann Hans, intitulada “”Domingo de festa na Fazenda””. Tenha atenção ao jogo de luz e sombra sobre os personagens, repare em suas ações, nas diferenças de suas roupas e nas funções atribuídas. O que você pensa a respeito? Quais sensações te causam? A tela pode ser considerada uma fonte histórica das hierarquias étnico-raciais e de classe do período colonial e que são as bases do racismo que se perpetua em nossa estrutura social.
Podemos observar isso através de alguns aspectos empregados pela técnica da pintura, como, por exemplo, a área do quadro mais iluminada pelos raios de sol que é ocupada pela elite branca, próxima da Casa Grande, enquanto a sombra projetada pela árvore paira sobre os escravizados, em um contato maior com a natureza, delimitando um lugar de inferioridade e do que o olhar europeu associava com selvageria.
Por sua vez, enquanto a criança branca é acolhida pela ama de leite, há na tela crianças negras desprotegidas, representando a negação do direito à maternidade das mulheres negras e o consequente desamparo destas crianças. Infelizmente ainda é muito comum observar no vocabulário de algumas pessoas nos dias de hoje os termos “mãe preta” e “mãe de leite” sem a reflexão sobre a violência histórica destes usos.
No quadro podemos observar ainda a resistência através da dança e da música sob a vigilância do Capitão do Mato que é também um obstáculo entre o caminho que leva para uma área distante da Casa Grande.
Em um primeiro olhar, aparentemente existe uma harmonia, como os errôneos discursos de democracia racial tentam transparecer, mas quando observamos a tela com mais atenção vemos as camadas de violência que ela contém.

Sessão do Conselho de Estado de Georgina de Albuquerque

No modelo de sociedade patriarcal, os homens detêm privilégios, como a autoridade moral, a liderança política e o controle das propriedades, enquanto as mulheres são educadas para ocupar papéis de subordinação. A artista Georgina de Albuquerque, primeira mulher a dirigir a Escola Nacional de Belas Artes, foi na contramão ao destacar em 1922, por meio de um estilo de pintura feito majoritariamente por homens, o protagonismo da Imperatriz Leopoldina, que foi arquiduquesa da Áustria e a primeira esposa do Imperador D. Pedro I, em um dos processos da independência do Brasil, chamando a atenção para a participação feminina nos feitos históricos. Mas é necessário refletir sobre como e quais mulheres são representadas na História ao longo do tempo.
É urgente representar o protagonismo das mulheres sem ignorar suas diversidades na construção do Brasil, desde a existência como território Indígena e passando por todos seus grandes marcos. Leopoldina, Dandara dos Palmares, indígena Dionísia, entre tantas outras que construíram o Brasil, mas que ainda hoje são subrepresentadas.

Georgina de Albuquerque 1922

Victor Meirelles 1883

Combate Naval do Riachuelo

Duque de Caxias foi personagem importante na Guerra do Paraguai, que para além de toda a violência empregada que quase tornou extinta a população do Paraguai, usufruiu dos “Voluntários da Pátria”, que levou muitos negros escravizados para a guerra sob a promessa de uma suposta liberdade, levando muitos negros a morrerem nos campos de batalha após muitos irem forçados à guerra, embora “voluntários”. Apesar de ser algo oculto nos livros didáticos na História do Brasil, os povos indígenas também lutaram na Guerra do Paraguai. A primeira coisa que é importante dar visibilidade é que muitas aldeias faziam fronteira com o Paraguai e inevitavelmente, houveram várias invasões de aldeias do lado do Brasil pelos paraguaios, houve participação de indígenas, segundo a historiografia, dos seguintes estados: Mato Grosso do Sul (os Guarani e Kaiowá, Mbayá-Guaicuru, Kadiwéu e Terena), Pernambuco (Fulni-ô) e Paraná (Avá-Guarani), logo resistir para defender suas terras foi inevitável. A segunda questão é que para além das invasões houveram dois tipos de participação na guerra: a compulsória e a voluntária. Na Batalha do Chaco, as fronteiras foram bravamente protegidas pelos povos indígenas e se Mato Grosso do Sul hoje é território brasileiro deve-se ao povo indígenas que pagaram com muitas vidas tal resistência. Apesar da bravura e participação de várias etnias indígenas no lado brasileiro, um território imenso dos povos indígenas foram usurpados por militares (Ditadura Militar) e fazendeiros. A política de descumprimento da Constituição Federal (1988) em demarcar as terras indígenas, que deveriam ser demarcadas em um prazo de produz violências e assassinatos, expulsão de povos originários de seus territórios da região fronteiriça que no passado foi defendida por eles para a nação brasileira. Portanto os corpos indígenas ajudaram a defender o território brasileiro, perdem suas vidas defendendo a floresta, mananciais de água potável e animais, garantindo a vida do planeta e dos seres vivos, não pode ser colocado como povos periféricos ou como alegorias em estátuas ou barcos, sem contudo ser contado a importante participação destes povos nestes mais de cinco séculos.
É questionável a presença em tal sala de um personagem que ganhou o título de Duque após reprimir diversas revoltas populares que causaram a morte de inúmeros negros e pobres, além de ter sido também detentor de pessoas escravizadas. Tornou-se o patrono do exército brasileiro e símbolo de um novo Brasil após a queda da Coroa, mesmo que o mesmo tenha sido assíduo contribuinte do legado imperial.
Hoje há praças, cidades e ruas que carregam o nome de Caxias, o que nos mostra como é urgente repensar as figuras e as narrativas que fazem a memória histórica do Brasil.

A Ilusão do Terceiro Reinado

O quadro do artista Aurélio de Figueiredo intitulado “A Ilusão do Terceiro Reinado” ilustra a que foi considerada a última grande festa promovida pela monarquia antes do golpe da república. Foi realizada em novembro de 1889 na Ilha Fiscal em homenagem à oficialidade dos navios chilenos ancorados na Baía de Guanabara e em comemoração das bodas de prata da princesa Isabel e do Conde d’Eu.
O autor retrata o momento no amanhecer, inserindo entre as nuvens o prenúncio da República através da representação de autoridades e comandantes militares com a bandeira do Brasil.
O declínio do Segundo Reinado ocorreu por consequência da Guerra do Paraguai que fortaleceu o Exército desejante de maior influência política e, sobretudo em razão da abolição da escravidão em 1888 que retirou o apoio da elite latifundiária da monarquia.

Aurélio de Figueiredo 1905

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