O misterioso encanto que cerca a música do Bip-Bip
Depoimento de Chiquinho Genu,
"O Bip-Bip foi fundado no dia 13 de dezembro de 1968, uma data importante para a história do Brasil, mesmo dia em que foi decretado o AI-5 (ato institucional que configurou os anos mais duros da ditatura militar no país). Curiosamente, porque, depois, o bar viraria um reduto feroz da esquerda.
No início, era um bar normal, vendia batidas, cachaça com alguma fruta, e o Alfredo Jacinto Melo (o Alfredinho), que é o dono atual, já vinha aqui como cliente naquela época. Vários anos depois, em 1984, o Bip-Bip passou para as mãos dele e aí tem algumas histórias: ele teria pago metade, ou uma parte do bar, em doses de uísque para o antigo dono, que vinha aqui beber e receber como pagamento. As más línguas dizem que o Alfredo comprou esse bar pra ter um lugar pra encontrar os amigos – eu acredito, porque o bar é bem isso até hoje.
Em 1988/89, uma pessoa interessantíssima, a Cristina Buarque de Holanda, irmã do Chico, veio morar com a mãe aqui no prédio da esquina e tornou-se amiga e frequentadora do Bip-Bip – a ponto de abrir o estabelecimento e receber os caminhões de cerveja.
Eu entro nessa história nessa época também, quando me tornei amigo do grande compositor Elton Medeiros – ele e o violinista que o acompanhava, Teo de Oliveira, me convidaram pra conhecer o bar ‘do Alfredinho e da Cristina’. Não tinha música no Bip-Bip até então, mas no dia que botei o pé aqui pela primeira vez disse: aqui é o meu lugar.
E aí a gente começou a tocar: “Cristina, conhece essa?” e tocava. E Cristina conhece tudo, é uma verdadeira enciclopédia musical. E começaram a vir os amigos do Elton e da Cristina – algumas celebridades: Walter Alfaiate, Miúcha, Wilson Moreira, Zé Ketti, grupo Dobrando a Esquina, Paulão Sete Cordas, Naná Vasconcelos. E aí a coisa foi encorpando, começou a ter variações: um dia era choro, outro era bossa nova, outro era samba. E assim ficou até hoje.
De uns anos pra cá, o Bip-Bip está em tudo que é guia turístico, folheto de viagem. Tem dia aqui que é uma ‘reunião da ONU’, gente de tudo quanto é lugar do mundo. Saem daqui maravilhados. A música nunca foi amplificada, nem canto, nem instrumento. A gente tenta dar o tom e manter a qualidade, mas, como você sabe, ninguém recebe pra tocar aqui. Às vezes vem um chato, que acha que toca, e é difícil administrar. Aqui não tocamos pagode.
O Bip-Bip é rigorosamente a mesma coisa desde que comecei a vir aqui. Se fosse capitalista, estaria mudado. As mudanças que aconteceram aqui foram forçadas por fatores externos. A gente fazia a roda de samba na calçada, mas a Prefeitura proibiu. Sem opção, tiramos um balcão que ocupava metade do bar, para alojar os músicos lá dentro. Um dia, um cliente pagou a reforma do piso e das paredes.
Qual o mistério dessa bar? É o Alfredinho. Ele é uma figura única, anti-capital. Precisa viver, não pode dar cerveja – ele vende cerveja. Metade do que ganha ou mais, ele gasta dando cestas básicas.
Elton Medeiros mora aqui do lado, mas sofre com uma doença degenerativa da córnea e não sai mais de casa. Cristina vive em Paquetá. O Bip-Bip será tema do enredo do desfile da escola de samba Unidos de Santa Marta, no Carnaval 2017."
Amigo de Alfredinho, o auditor da receita Chiquinho Genu se considera ‘músico amador abusado’ e toca no Bip-Bip nas rodas de samba ‘dos mais velhos’ aos domingos, que começam mais cedo, às 19h.