Este roteiro nos leva pela história de um bairro que coincide com a de uma floresta - a Floresta da Tijuca, que hoje é resultado da combinação entre o reflorestamento e a regeneração natural de várias partes da mata. Durante a colonização portuguesa, a ocupação humana avançou pelas encostas, onde as terras altas e o clima ameno representavam uma fuga das ruas sujas, insalubres e apinhadas do centro. Desse ponto nobre, a cidade era vista de alguma forma linda - quer dizer, de longe!
A implantação das primeiras fazendas de café no Rio praticamente transformou o maciço em descampado. O período de maior devastação foi no início do século 19, quando propriedades com lavouras que tinham entre 5 e 100 mil pés de cafés se instalaram na região. O produto logo esgotaria o solo, sendo levado e multiplicado no Vale do Paraíba e depois em São Paulo. O que restou de vegetação nativa nos topos dos morros e encostas mais íngremes, e a decorrente escassez de água, chamou a atenção de nossos governantes. Entre 1844 e 1890, foram baixados e aplicados regulamentos visando a preservação da floresta original, o replantio de partes devastadas e o remanejamento de córregos para garantir o abastecimento de água para a população urbana. Estima-se que mais de 200 mil mudas tenham sido plantadas sob o comando do major Manuel Gomes Archer e de Tomás Nogueira da Gama, nas regiões do alto da Tijuca e Paineiras.
Posteriormente, medidas como a melhoria de trilhas e acessos à região deram continuidade a essas políticas, tornando a Floresta um santuário para amantes da natureza, turistas, visitantes e para a recreação e a educação ambiental da população. Apesar de estar localizada no meio de uma metrópole caótica, sujeita a incêndios, assaltos e invasões, a replantada Floresta da Tijuca se encontra em um saudável estado de ‘regeneração’. Essa relativa estabilidade contrasta profundamente com o que ocorreu num passado não muito remoto: quando o Rio ainda era uma cidade pequena, em muito pouco tempo as florestas ao seu redor foram quase totalmente dizimadas.
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Inaugurada em 1903 pelo então prefeito Pereira Passos, a praça ajudou a consolidar o bairro, junto com a ampliação e pavimentação da estrada do Alto da Boa Vista, atual Avenida Edison Passos. Tinha um coreto que deu lugar ao chafariz projetado por Grandjean de Montigny em 1846 para compor o conjunto do antigo Rossio Pequeno, hoje conhecido como Praça Onze. Na década de 1940, durante as obras de abertura da Av. Presidente Vargas, a peça de pedra com elementos decorativos em bronze foi transferida para esta praça.
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Encomendado por Francisco José da Rocha Leão, Conde de Itamaraty, para ser uma casa de campo, o palacete neoclássico de fachadas simétricas teve sua construção concluída em 1854. O arquiteto responsável, José Maria Jacinto Rebelo, também participou da construção do Palácio Imperial de Petrópolis e o do Itamaraty, na Avenida Marechal Floriano. Situado em área de proteção paisagística, é uma singela miniatura campestre das grandes composições urbanas da época de D. Pedro II. No século XX teve outros usos: foi patronato de menores, escola e Preventório Nossa Senhora das Graças.
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A devoção à Nossa Senhora da Luz denota a forte influência portuguesa desta paróquia. Teve início em Portugal no século XV, com história singela e singular: ao ser aprisionado pelos mouros, um senhor português, Pedro Martins, muito devoto de Nossa Senhora, invocou com fé a proteção da Mãe de Deus, a qual o libertou. Tornou-se, então, o promotor da devoção a Nossa Senhora da Luz que se firmou em terras portuguesas.
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Durante o século 19, as imediações do Alto da Boa Vista abrigaram uma concentração de nobres franceses que se dedicavam principalmente à cultura do café – até o reflorestamento da área. A construção de casas e mansões em grandes propriedades do bairro atingiu o auge nas décadas de 1960 e 1970, quando uma alta classe média se estabeleceu no local. Hoje em dia, muitas dessas mansões foram colocadas à venda ou transformadas em casas de festas, alugadas para casamentos, eventos e sets de filmagem.
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O Grupamento de Socorro Florestal e Meio Ambiente (GSFMA) foi inaugurado em 1990 para combater incêndios florestais. Até então, não havia entre os bombeiros fluminenses oficiais com conhecimento especializado para debelar o fogo em florestas, com técnicas diferentes do controle de incêndios urbanos. Dez anos depois, um grande incêndio se tornaria o pior a atingir a Floresta da Tijuca. A tragédia poderia ter sido maior, mas os novos oficiais driblaram a burocracia para trabalhar em coordenação com a Marinha, o Ibama e a Guarda Municipal, salvando da destruição muitos hectares de Mata Atlântica.
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A Congregação Marcelina foi fundada em Cernusco, Milão – Itália, em 1838, por Monsenhor Luis Biraghi (1801 – 1879). Biraghi era atento às questões sociais de seu tempo. Viveu em uma Itália devastada pelas guerras. Por isso acreditava que era preciso educar bem as mulheres, as grandes responsáveis pela formação das futuras gerações.
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Embora a ordem para repor a mata devastada do Maciço da Tijuca tenha partido de D. Pedro II, medidas tomadas por D. João VI ajudaram a diminuir o impacto da monocultura sobre as florestas bem antes. Em 1817, um decreto determinou a proteção das bacias do rio Carioca como forma de garantir água potável para a população, que crescia rapidamente na época. No entanto, a crise de abastecimento de água na cidade foi o grande estopim para iniciar o reflorestamento. As pequenas nascentes protegidas não eram suficientes e, então, o governo baixou uma regra que determinava que fossem plantados arvoredos no país pelo sistema de mudas e em linha reta, começando de ambas as margens das nascentes dos rios.
Várias propriedades do Alto da Boa Vista já foram usadas como locação para a TV e o cinema. O casarão que abriga o Museu do Açude aparece de forma recorrente na telenovela “Roque Santeiro”. É a propriedade em que Sinhozinho Malta (Lima Duarte) visita a viúva Porcina (Regina Duarte) na fictícia cidade de Asa Branca. Em frente ao museu, a Maison Paineiras serviu de cenário para as novelas “Vidas Opostas”, da Record, e “Império” e “A Favorita”, da Globo. A trama de “O Rebu” se desenrola a partir de um corpo que aparece boiando na piscina da empresária Angela Mahler (Patricia Pillar), cena gravada na Mansão das Heras.
O pintor Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830), que participou da chamada ‘Missão Artística Francesa’, foi o primeiro nobre a fixar residência na região e construiu sua casa à beira da cachoeira que hoje tem seu nome, dentro da área de preservação. Na época, o sítio dos Taunay na Cascatinha serviu para difundir a área como refúgio. A serra da Tijuca tornou-se um dos temas pictóricos mais representados pelos artistas–viajantes que estiveram no Rio durante o século XIX. A aura de amenidade, benignidade e beleza natural que cercava a Floresta foi retratada, pintada, desenhada sob todos os ângulos possíveis, por Taunay, Debret, Rugendas, Arago e Ender. Um paraíso naturista que contrastava – e muito – com a cidade suja, insalubre, desordenada e quente.
A venda de títulos nobiliárquicos foi um grande negócio para o Estado, no Brasil. Fazia-se nobre quem era rico. Para ser agraciado como barão, a designação mais baixa no Império, o custo era de 750 mil réis. Só que os títulos brasileiros eram individuais e não transferíveis. Nunca foram hereditários, diferentemente de regimes monárquicos como o da Inglaterra e o de Portugal. Para ter direito à designação e usufruir dos privilégios, o herdeiro precisava “recomprovar a legitimidade”, formando uma espécie de clã familiar de nobres – caso da família do conde de Itamaraty, Francisco José da Rocha Leão (1806-1883), cujo pai, homônimo, rico comerciante luso-português, também havia sido barão.
Adquirida em 1913 pelo colecionador de arte Raimundo Ottoni de Castro Maya, a casa foi transformada em museu na década de 60 e, em seguida, doada à União. Castro Maya deu à casa uma fisionomia neocolonial, onde sobressaem beirais de telha de louça portuguesa e painéis de azulejos também portugueses. O jardim, junto à Floresta da Tijuca, teve a orientação paisagística de Burle Marx. O Museu exibe as coleções de azulejaria e louça do Porto, arte oriental e artes aplicadas e compõe os Museus Castro Maya junto com o Museu da Chácara do Céu, em Santa Teresa. Ambos têm cômodos mobiliados e ambientados que preservam o caráter de moradia dos espaços.
Estr. do Açude, 764 - Alto da Boa Vista
Diariamente, exceto às terças-feiras, das 11h às 17h
Entrada franca às quintas-feiras
Tel: (21) 3433-4990
http://museuscastromaya.com.br/
Crédito da Imagem: Halley Pacheco de Oliveira