A Festa da Penha na Penha das Festas
Crônica por Veríssimo Junior,
"Cheguei à Penha em 1999, há 17 anos, com os versos das músicas de Guio de Moraes, David Nasser e Noel Rosa ecoando na minha cabeça:
Demonstrando a minha fé
Vou subir a Penha a pé
Pra fazer uma oração
Vou pedir à padroeira
Numa prece verdadeira
Que proteja o meu baião
Penha, Penha
Eu vim aqui me ajoelhar!
Venha, venha
Trazer paz para o meu lar!
Por isso agora lá Penha vou mandar
Minha morena pra cantar
Com satisfação e com harmonia
Essa triste melodia
Que é meu samba em feitio de oração
E me pus a procurar pela Festa da Penha, mas... Não tinha mais festa! Cadê a festa?! Onde está a antológica, mítica e memorável Festa da Penha?! Cadê os famosos colares de balas?! Cadê as barraquinhas de maçã do amor?! Onde estão as barracas das escolas de samba?! Onde foi parar tudo?!
Diante da desolação restou-me escavar o que restou da festa para tentar representá-la teatralmente. E foi assim que encontrei outras relíquias deixadas por Noel e uma deixada por Cartola:
Uma camisa, um terno usado
Alguém me empresta
Hoje é domingo e eu preciso à festa
Não brincarei quero fazer uma oração
Pedir à santa padroeira proteção
Dentre os amigos encontrarei alguém que tenha
Hoje é domingo e eu preciso ir à Penha
Faz hoje quase um ano que não vou visitar
Meu barracão lá da Penha
Que me faz sofrer e até mesmo chorar
Por lembrar a alegria com que em sentia
O forte laço de amor que nos unia
Não há quem tenha mais saudade lá da Penha do que eu
Juro que não
Mas eis que um som vindo de outa parte da Penha chamou minha atenção. Atraído pelo pancadão e pela batida do tamborzão entrei na Brás de Pina na contramão, passei pelo antigo castelinho (demolido para ser sucursal de um banco num claro sinal dos tempos), cruzei as ruas Plínio de Oliveira, Aimoré e Dionísio (Evoé!) e o batidão estava cada vez mais próximo. Dobrei na Rua do Cajá e lá estava a nova Festa da Penha!
Esse é o passinho do desloca
Desloca, desloca
Desloca pra lá, desloca pra cá
Sim, a Festa da Penha deslocou-se, migrou, transmudou-se e ganhou batida eletrônica! É uma Festa da Penha contemporânea! De velho mesmo, o preconceito, o hábito da cidade de criminalizar e estigmatizar as manifestações culturais de sua juventude."
Veríssimo Junior é professor de artes cênicas na Escola Municipal Leonor Coelho Pereira e criou, há doze anos, o Teatro da Laje, coletivo formado por moradores da Vila Cruzeiro com residência artística na Arena Carioca Dicró. Por meio do teatro, busca promover um diálogo entre as práticas cotidianas das favelas cariocas e elementos da dramaturgia universal, como no espetáculo "Viagem da Vila Cruzeiro à Canaã de Ipanema numa página do Facebook”, que conta as agruras vividas por um grupo de jovens amigos para chegar até a praia.