Uma presença internacional se sobressaiu em meio às 500 pessoas que participaram da 3ª edição do #RoléCarioca em 2019. A britânica Victoria Adams seguiu o grupo de rolezeiros pelas ruas do Alto da Boa Vista para sua pesquisa de doutorado da Universidade de Cambridge. Segundo ela, a tese examina projetos e roteiros culturais e históricos que têm um componente virtual, e as narrativas e geografias afetivas que produzem.

“Sou do departamento de português da Universidade e isso me permite estudar matérias interdisciplinares. Muitos estudos são realizados sobre patrimônio, memória e tecnologia, mas de modos separados. O que achei interessante do projeto do Rolé Carioca é que mistura essas duas coisas (patrimônio e tecnologia)”, contou Victoria em português perfeito.

A experiência com a língua portuguesa está ligada à sua formação: é graduada em línguas estrangeiras (português e espanhol), na King’s College de Londres. Aperfeiçoou a linguagem em Lisboa e pode praticar mais durante um intercâmbio que fez na USP durante 5 meses. Tanto que não teve dificuldades em entender os conteúdos apresentados em português pelos professores-guia durante o passeio. “Já tinha lido um pouco da história do Alto da Boa Vista, como a região foi usada para plantações de café, mas sem tantos detalhes. Gostei da narrativa”, explicou a professora de inglês.

A tese de Victoria se propõe a fazer uma reflexão sobre como as relações afetivas com a tecnologia e o patrimônio podem mudar nossa percepção e entendimento sobre a cidade, qual o impacto da tecnologia nessas narrativas do discurso histórico. “O website do Rolé Carioca, por exemplo, permite uma exploração virtual de espaços e da memória cidade. No site, você pode conhecer a cidade do Rio sem necessariamente estar aqui ou participando dos passeios. Pude explorar bastante o site e observei que tem uma versão em inglês. Aqui, no passeio, reparei que participam mais os cariocas, os residentes que estão na cidade.”

O primeiro contato de Victoria com o Rolé foi em 2016, por indicação de um amigo: “Ele me disse que aprendeu muito com os passeios e que deveria seguir o Rolé Carioca pelas redes sociais. Naquele momento, estava estudando um aplicativo chamado “Passados Presentes” que conta a história da Pequena África na região portuária. A partir daí, comecei a seguir vocês e é um grande prazer poder estar aqui depois de tanto tempo!”

A doutoranda deve acompanhar os próximos passeios do Rolé (Museu Aeroespacial, no dia 25/08, e o de Petrópolis, no dia 08/09). “Estou aproveitando minha estadia no Rio para buscar informações em bibliotecas e falar com outros projetos histórico-culturais virtuais e semi-virtuais. Entre eles, o app “Passados Presentes”, o “Guiadas Urbanas” feito por um casal pelo subúrbio do Rio e perfis do Instagram como “Rio Antigo”, que mostram fotografias antigas da cidade. Minha pesquisa explora exemplos da multiplicidade de projetos que surgiram para reorientar a narrativa histórico-cultural e produzir imaginários espaciais alternativos.” 

Um jeito de contar a história do Rio de Janeiro é identificar os ilustres personagens que hoje dão nome às ruas do Rio. Partindo dessa premissa, o livro “O Rio de Todos os Padres” (Editora Autografia), organizado pelo pesquisador e professor-guia do #RoléCarioca Rodrigo Rainha, relaciona espaços públicos do Rio com a trajetória de clérigos que marcaram intelectualmente e socialmente a história da cidade. É o caso da rua Frei Leandro, uma pequena via no Jardim Botânico, destino do “Rolé Carioca Visita”.

Poucos sabem, mas Frei Leandro teve papel fundamental para o desenvolvimento do Jardim Botânico como centro de pesquisa científica e da botânica no Brasil. Frade da Ordem do Carmo, o frei assumiu a direção do JB em 1824. Na época, o Doutor em Ciências Naturais era um dos principais cientistas brasileiros. Integrava academias europeias de ciências e era reconhecido internacionalmente.

À frente do Jardim Botânico, deu continuidade à missão pedagógica, ensinando história natural e botânica àqueles que se interessavam pelo assunto, fossem lavradores ou proprietários rurais. Identificou as plantas do Parque, deu início ao seu primeiro Herbário, introduziu muitas plantas indígenas e exóticas. Também iniciou o cultivo do chá, além de enviar mudas para diversos lugares do país. Sua respeitabilidade foi importante para que a instituição virasse referência entre os cientistas estrangeiros que buscavam conhecimentos sobre a flora brasileira.

Além de Frei Leandro, o livro “O Rio de Todos os Padres” recupera as histórias de Padre Anchieta, Cardeal Leme, Padre Leonel França, Padre Miguel, Padre Manso, Cardeal Arcoverde, Padre Elias Gorayeb, Dom Helder Câmara e Dom Eugênio Salles. O estudo contou com a colaboração de professores e alunos do curso de história da Universidade Estácio de Sá, entre eles os professores William Martins, Flavia Miguel, Álvaro Melo e Marta Silveira. Para comprar o livro, entre no site da Editora Autografia ou procure os professores no Rolé Carioca.

O comerciante Ricardo Lima trabalha há 9 anos na Pastelaria Lux e tem uma relação diária com o bairro de Marechal Hermes. Para quem não conhece, a Pastelaria é outra referência gastronômica do bairro, fora a conhecida ‘Batata de Marechal’. Tem como ‘carro-chefe’ a pizza brotinho e o sanduíche Bauru e também é muito querida pelos moradores. Ganhou esse nome por ser vizinha ao prédio do antigo Cine Lux, construído na década de 1930 logo em frente à estação de trem, e que foi um centro de entretenimento da região por muitos anos.

Rolezeiro desde 2013, Ricardo acompanhou o #RoléCarioca que aconteceu pelas ruas de Marechal e deu sua opinião sobre o projeto. Para ele, o Rolé ajuda a criar laços das pessoas com os locais. O morador de Valqueire também indica o trabalho realizado pelo pesquisador André Luis Mansur, autor do livro “Marechal, a história do bairro” (telefone para contato 99919.7723), para quem quer se aprofundar nos dados históricos a respeito do bairro planejado.

- Foi seu primeiro Rolé Carioca?
Não, acompanho o projeto desde 2013, quando o Rolé começou. Já fui a vários passeios: Museu Nacional, Tijuca, São Cristóvão, Urca, Santa Teresa, Centro, Bangu, Méier, Cachambi. O Rolé é maravilhoso! É importante como projeto de valorização da história e ajuda a criar laços das pessoas com locais.

- Já conhecia a história apresentada pelos professores?
Eu já conhecia a história de Marechal pelo livro do André Luis Mansur (“Marechal, a história do bairro”). É bem detalhado, traz muitas fotos e registros de antigamente. Por exemplo, ele fala do extinto cinema Lux, que não existe mais, e como o bairro foi ocupado, desde o início. Ainda dá detalhes da arquitetura do Teatro Armando Gonzaga, uma construção teve projeto paisagístico do Burle Marx e arquitetônico do Affonso Eduardo Reidy, o mesmo do Museu de Arte Moderna do Aterro do Flamengo e do conjunto Pedregulho, em Benfica. Apesar do teatro não estar bem conservado, é uma joia, né?

- Como comerciante, qual a sua impressão sobre o bairro?
Marechal é um bairro familiar e aconchegante. Como eu trabalho num comércio do bairro, acabo tendo contato diário com as pessoas e conhecendo as pessoas e as histórias de quem vive ali. O grande problema de Marechal Hermes é o abandono do poder público. É um bairro agradável, mas que sofre com abandono. O período de chuva aqui é muito sério, sempre alaga. O problema é que quando chove vem muita água de Sulacap e Valqueire e, esse lado da linha férrea fica num nível abaixo do outro lado. Então aqui enche muito, a água fica represada. O pessoal da Batata sofre nos meses de janeiro, fevereiro e março, é uma tensão. Já chegou a entrar água dentro da loja.  

- Torce pelo Botafogo? Conheceu o antigo campo do time em Marechal?
Não, sou Fluminense. Mas tinha um primo que jogou no time amador do Botafogo. Por essa razão, já frequentei o centro de treinamento que existiu aqui, agora está fechado. Naquela época, dava para ver jogos do profissional também, que aconteciam depois dos times de base.

"Eu nasci nesse arrabalde. As quermesses da igreja são lembranças queridas. Entrega de medalha do colégio no Teatro Armando Gonzaga faz parte de minha memória. Mas a rua, a minha rua, me formou. Nela joguei bola, fiz amigos, brinquei de tudo que se brinca por essas bandas. Fui criança, adolescente, homem.

Existe um laço único entre o indivíduo com seu território. Tem a ver com pertencimento. No momento em que você percebe esse laço e celebra suas vivências, pronto: você cria.

Pessoas, sobretudo, fazem parte dessa história: o Zezinho, treinador mais conhecido de Marechal. É um querido professor de educação física que treinou metade do bairro na escolhida de futsal do Marã, local fundamental do bairro. Teoblando pinta placas por toda vizinhança. É o nosso chinegro- ele conta que é uma mistura de negro com chinês. E o Wagner do violino. Ele ensaia/ensaiava sob a cúpula da Escola Evangelina. Uma atração à parte pelas andanças do bairro.

Lá se vão 8 anos nesse projeto de colocar a poesia em movimento. A história começou como desejo de um jovem casal que desejava viver de literatura. Minha esposa e eu unimos ideias, proposta de vida em um plano de negócio que se baseava em transformar o substantivo poema em um verbo. Queríamos ver a poesia em movimento. Assim foi a gênese da Poeme-se.

No #RoléCarioca por Marechal Hermes, prestem atenção em alguns pontos: a Rua Azulão, onde gravaram a novela “Pecado Capital”. Na casa da Nair de Teffé, mulher do Marechal Hermes. E na Lux com sua pizza brotinho - um lugar querido por todos os moradores."

Gledson Vinícius é poeta e “cria de Marechal”. Concebeu o projeto “Poeme-se” numa casa da Rua Comandaí, em Marechal Hermes, de onde espalha poesia pelo mundo desde 2010. No poema “Certidão de Nascimento” (reproduzido abaixo), o autor faz uma ode ao bairro onde vive. A produção poética inclui Camisetas Literárias, uma homenagem a grandes autores e pensadores.

Certidão de Nascimento

Eu venho de lá
Eu sou de lá
Terra de fora, de fora do ar
Lugar de gente, lugar de amar
Lugar de pelada, de alívio, de descansar
De cerveja gelada, de mulata,
De sacanagem, de briga de bar.
De pipa empinada,
De moda inventada...
Cabresto, rabióla,
Bate-bola, bexiga, Buá
De bola de gude, cabra cega,
Pique-bandeira, de pique-tá.
Lugar de queimado, pique-lateiro,
Telefone sem fio, polícia e ladrão
Pula corda, elástico, carniça, garrafão.
Peteca, morto-vivo,
Pique-esconde, carrinho de mão.
Lugar diferente,
De gente que ri
Que sabe brincar.
Eu venho de lá
De lá desse lugar...
De povo valente
Que triste ou doente
Não esquece o batente
E vai vadiar.
De gente da gente
Que reza que ora
Que tem tantos santos pra cultuar
Eu sou mesmo de lá
Subúrbio da central
Arrabalde brasileiro
Bairro planejado
Desse tal São Sebastião do Rio

Uma das propostas do #RoléCarioca é estabelecer uma relação de proximidade com diferentes regiões da cidade, reforçando a noção de identidade e pertencimento a lugares como o querido subúrbio do Rio. Não foi diferente em nossa caminhada pelas singelas ruas do Cachambi. Ali, tivemos a honra de conduzir uma verdadeira “cria do bairro”, a bióloga Mariene Correia dos Santos, 26 anos, moradora da Rua Honório.

A rolezeira que participa do Rolé desde 2016, quando foi na primeira edição em Santa Teresa, conta que é apaixonada pela história do Rio, principalmente pelas histórias suburbanas, da zona norte do Rio: “Gosto muito dessa área e é sempre bom aprender sobre a região em que se vive”.

- Como você veio parar no Rolé?
Através das redes sociais, pelo Facebook. O primeiro que vim foi o de Santa Teresa. De lá para cá, fui praticamente em todos, menos o da Urca.

- De todos os Rolés que você já foi, qual te chamou mais a atenção, que te surpreendeu?
Paquetá foi muito legal ter ido. Bangu também!

- E neste trajeto pelo Cachambi, o que você achou?
Esse Rolé foi muito especial pra mim. Eu moro e sou criada aqui, passei a minha vida inteira aqui. Fui batizada na Paróquia Santo Antônio de Pádua e já fui em tantas festas juninas ali.... Para mim está sendo muito legal porque estou conhecendo a história de onde cresci. Sou cria do Cachambi!

- O que você incluiria neste roteiro e que você acha importante para essa região?
Talvez pudesse passar também pela Igreja Nossa Senhora Aparecida, para as pessoas conhecerem. A própria Praça Avaí é outro lugar realmente importante, não só pelas festas juninas, mas também pelos tradicionais bloquinhos de carnaval que tocam no coreto.

Fazer com que moradores do Rio conheçam mais a vizinhança onde vivem é um dos objetivos que o #RoléCarioca se propõe – e sempre alcança! Um grupo de amigos vizinhos a Del Castilho acompanhou o trajeto por essa área do subúrbio para descobrir outras histórias da região onde vivem, que muitas vezes se confunde com Cachambi, Todos os Santos e mesmo o Méier.

“Essa dúvida sobre o bairro, onde começa e onde termina, faz parte da nossa rotina”, confirmou a assistente de compras Michele, 29 anos, que mora próximo à fazenda do Capão do Bispo e costuma simplificar a questão dizendo que mora “perto do Norte Shopping ou a 10 minutos do Shopping Nova América". Michele foi acompanhada pelo auxiliar de escritório Bruno, 26 anos, o ‘simpatizante de história’ Gabriel Ferreira (29 anos) e a professora de história Amanda Carreira, 30 anos. Veja no papo a seguir:

Como conheceram o #RoléCarioca?
(Michele): Seguimos a página no Facebook. Este foi meu segundo #Rolé (o primeiro tinha sido pelo Catumbi, realizado em 2015) e é o primeiro de Bruno. Viemos com um casal de amigos que acompanha o #Rolé há mais tempo.
(Gabriel): Esse deve ser o nosso quinto #Rolé. Descobrimos depois do evento do Rio Comprido, quando vi anunciado no Globo. Tem tempo, acho que deve ter uns 3 anos. Depois desse, fomos acompanhando a programação.

As informações do Rolé têm utilidade para vocês?
(Amanda): Sim, já teve dados que utilizei em sala de aula, dos próprios professores que dão essa aula a céu aberto.

Como moradores das redondezas, sentiram falta de alguma coisa?
(Gabriel): Foi bem completo! Faltou falar, como anunciado no Facebook, das figuras históricas do Martin Luther King e, mais importante ainda, do Dom Helder Câmara.
(Amanda): Também onde fica exatamente o local da casa da Olga Benário e Luis Carlos Prestes. Sei que fica um pouco mais longe do trajeto, perto de Todos os Santos, mas poderia dar a localização mais exata, caso a gente queira ir sozinho, pra gente que mora aqui perto.

Nota do autor: Periódicos e diversos livros sobre Olga e Prestes mencionam a R. Honório, 279, porém a casa e a numeração originais foram modificadas com o tempo – ver a imagem destacada do livro “Brazilian Communism, 1935-1945: Repression during World Upheaval”, de John W. F. Dulles. Provavelmente, a residência fazia esquina com a R. Dr. Ferrari.