Floresta da Tijuca, a praia verde e o pulmão da cidade do Rio
Depoimento de Roberto Nascimento,
O Parque Nacional da Tijuca é uma Unidade de Conservação ambiental e, ao mesmo tempo, guarda um patrimônio cultural valiosíssimo. Você pode contar a história do Brasil em um passeio pelo Parque. São sítios arqueológicos, monumentos e edificações históricas, de tempos diferentes, que recontam toda a história do país, em alguma medida. Por ser o único parque nacional inserido dentro de uma metrópole, funciona como laboratório e referência para padronização de soluções com a proximidade do meio urbano. Estudos demonstram que o Parque reduz em até 7 graus celsius a temperatura da cidade do Rio de Janeiro, diminuiu enchentes e desmoronamentos das encostas e até retira metais pesados e elementos poluentes do ar atmosférico.
Considero o setor Floresta do Parque da Tijuca a “praia verde do Rio”. Um lugar democrático assim como a praia: qualquer um pode entrar e fazer uso dela. Essa facilidade de acesso foi sempre preservada, nenhuma gestão sequer cogitou cobrar ingresso. Acredito também que tenha sido um fator determinante para preservar a floresta como ela está agora. Se houvesse alguma limitação e a floresta começasse a ficar distante, fica distante também o espírito de conservação, o engajamento. O Parque conseguiu se manter por todas essas décadas e governos, sob pressões diversas, muito por conta do uso público que sempre teve. Hoje quase todas as cachoeiras do Parque estão liberadas para banho – já houve um tempo em que tomar banho de cachoeira não era permitido, ou apenas tolerado. A corrente dominante do ICMBio vê o uso público como essencial para conservação desse espaço. Quanto mais a população tiver acesso à Floresta, mais chances desse espaço ser preservado. É possível gerenciar impactos, à partir do diálogo com o surgimento de novas práticas e usos da área. Para atividades de mountain bike, por exemplo, foram criadas duas trilhas específicas. Na área do Parque, o único lugar em que é cobrado ingresso é o Corcovado.
No passado, houve um esforço deliberado para recomposição dessa floresta, inclusive por conta da crise hídrica que a cidade vivia em função dos desmatamentos. Quando você pensa na manutenção de uma Unidade de Conservação, a aproximação com elemento humano é bem-vinda, mas ela precisa ser regulada pois são ambientes sensíveis, que estão sendo protegidos por alguma razão técnica e que precisam ter um controle, um conjunto de normas e procedimentos para que garanta-se a proteção às futuras gerações. O Parque está entrando numa fase de reintrodução de mamíferos – o que exige maior demanda de recursos. Em 2018, foi reintroduzido o bugio, que estava extinto na Floresta há 120 anos. Hoje já temos filhotes dessa família de macacos no setor Floresta, a maior e mais bem preservada área do Parque Nacional, que ainda conta com matas originais. Essa foi a primeira zona delimitada como área de proteção ambiental – na época do Império, era chamada ‘Floresta Protetora’, uma categoria associada à função desejada para àquele espaço, de proteção dos mananciais. O Parque é formado ainda pelo Setor Serra da Carioca (que inclui o Mirante Dona Marta, o Corcovado e a Vista Chinesa), Setor Pedra Bonita/Pedra da Gávea e pelo Setor Pretos Forros/Covanca. Ao mesmo tempo em que é o menor parque nacional brasileiro, com cerca de 4 mil hectares, uma cidade o divide. Às vezes é difícil para ao carioca entender a geografia do Parque, onde começa e onde termina.
Há 5 anos trabalho de forma dedicada a Amigos do Parque na direção executiva da associação, que posso considerar uma síntese natural da minha história de vida. Sou biólogo-ecólogo e também atuei junto ao Ministério da Cultura em Brasília, como secretário de fomento na administração do Gilberto Gil, uma escola que ampliou minha visão sobre patrimônio cultural do Brasil. Minha opção por cursar biologia tem muito a ver com o Parque. Desde criança frequento a Floresta da Tijuca, meus pais me levavam lá para fazer piqueniques aos domingos. Tenho certeza que esse convívio foi determinante para minha escolha profissional. Sempre tive espírito empreendedor, inclusive na área ambiental. Logo que me formei em biologia montei uma empresa de educação ambiental com amigos da faculdade – isso em 1987, 5 anos antes da ECO 92, quando a discussão ambiental ainda não tinha relevância. Começamos a levar turmas de escolas para a floresta, promovíamos um ensino de ecologia baseado na natureza. Na época, foi revolucionário e nosso campo sempre foi o Parque da Tijuca.
Os esforços da Amigos do Parque estão direcionados para atender as necessidades mais urgentes do Parque Nacional. Somos uma organização da sociedade civil organizada e temos o papel de acompanhar bem de perto o que acontece nesta Unidade de Conservação e dar apoio de diversas maneiras. Temos uma participação ativa no conselho consultivo do Parque, junto a outros 30 membros como universidades, associações de moradores e demais órgãos públicos. Nosso acordo com o ICMBio nos permite trazer parceiros e fazer a captação de recursos para a realização de projetos. No caso da reintrodução da fauna, apoiamos com a compra de equipamentos. Reformamos o único veículo da frota do Parque adaptado para a brigada de incêndio florestal. Hoje em dia estamos custeando parte do combustível necessário para a frota rodar, algo que não seria de nossa alçada, mas que, se não contribuirmos, ficaria descoberto. Nosso acordo de reciprocidade inclui a gestão do site www.parquenacionaldatijuca.rio, que apresenta todas as informações de utilidade pública e para visitação da área. Nós somos Amigos do Parque e, desejavelmente, também da administração do Parque. Nosso compromisso é com o Parque.
Pelos dados oficiais do Instituto Pereira Passos, que realiza monitoramento do crescimento urbano do Rio, não existe nenhuma invasão na floresta, mas houve um aumento muito grande de construções irregulares na zona de amortecimento da área de proteção. Hoje existem 117 comunidades no entorno imediato do Parque. Isso oferece algum risco, mas também é uma grande oportunidade de poder dialogar com a população para atuar como defensora desse território, até por fazer parte do cotidiano dela. Dentro da administração do Parque existe uma coordenação socioambiental que procura estabelecer o diálogo com essas comunidades e criar modelos de atuação conjunta nesses territórios, e a Amigos do Parque apoia essa iniciativa.
O ideal é que todos os parques nacionais tenham uma associação estruturada e organizada como a nossa. Em 20 anos de atuação, a Amigos do Parque segue sendo praticamente a única associação de amigos de um Parque Nacional brasileiro. Não temos uma cultura de participação social no país. Sabemos que a coisa pública não consegue viver só de recursos públicos, e isso não acontece só no Brasil. Todos os parques americanos, por exemplo, têm uma associação de amigos. É difícil convencer as pessoas a apoiarem e contribuírem por haver uma percepção de que ‘nunca precisei ajudar a floresta, e ela existe sem precisar de mim.’ Temos uma base de associados, pessoas físicas e jurídicas, e doadores. Estamos num trabalho de apresentação às empresas, principalmente às que atuam no Rio e dentro da Unidade de Conservação, como empresas de turismo, para que elas também participem mais no dia a dia da administração e apresentem suas sugestões. Quanto mais pessoas estiverem engajadas e comprometidas, melhor para todo mundo.
A presença da floresta tão próxima à cidade forma uma população completamente diferente de um ambiente completamente urbano, árido, distante da natureza. Estamos tão expostos aos estímulos da natureza que naturalizamos isso. Esse é o maior risco por um lado. Existe uma percepção geral que a Floresta sempre existiu aqui e sempre existirá. Se por um lado, existe um privilégio, eu diria mundial, de conviver com uma floresta, há o risco de naturalizar essa presença. Se não parar para cuidar, pode não estar ali no futuro. Se não estivermos ativamente e conscientemente cuidando, pode ser que a Floresta não se perpetue, seja por especulação imobiliária, seja por falta de uma política de preservação e proteção. Isso a gente está vendo muito, em discursos do governo e ameaças que estão sendo colocadas. Por exemplo, o ICMBio possui apenas um avião que pode coletar água para debelar incêndios em todos os parques nacionais do Brasil. Se há uma ocorrência em Rondônia, um incêndio na floresta do Rio fica desassistido. Não é um exemplo estatal de proteção, mas isso não quer dizer que a solução seja privatizar esse órgão federal, e sim fortalecer o aparato disponível para proteção.
Roberto Nascimento, diretor executivo da Associação Amigos do Parque Nacional da Tijuca (AAPNT), é biólogo de formação, com especialização em ecologia e educação ambiental e pós-graduação em Administração Executiva. Frequentador do parque desde os 5 anos de idade, está há 5 anos na AAPNT.
Saiba como você pode contribuir sendo um membro associado, voluntário ou doador da Amigos do Parque no site: https://amigosdoparque.org.br/seja-um-amigo-do-parque/
Crédito das imagens: Peterson de Almeida