"Em 1911, começa a história do centro psiquiátrico no Engenho de Dentro, inaugurado como uma colônia para mulheres alienadas. Existia uma demanda no Hospício de Pedro II, o primeiro fundado no Brasil ainda no século XIX na Praia Vermelha, principalmente com relação aos casos considerados incuráveis. Daí foram criadas as colônias agrícolas onde esses pacientes poderiam fazer trabalhos na lavoura, plantavam e colhiam seus próprios alimentos e assim também diminuam os custos da internação. Uma colônia masculina foi construída em 1890 na Ilha do Governador. Já para as mulheres que eram internadas e consideradas incuráveis, começou a funcionar, em 1911 a Colônia no Engenho de Dentro.. Em 1944, o hospício da Praia Vermelha é fechado e transferido para o Engenho de Dentro. O espaço deixa de ser uma colônia só para os casos incuráveis e passa a ser o principal centro psiquiátrico da cidade. Recebe todos os pacientes e também parte do acervo que ali existia. Por isso, hoje temos no nosso centro de documentação registros de internos desde 1847 e várias pesquisas realizadas com este acervo histórico, que inclui os dados da Instituição na Praia Vermelha e também da colônia, desde 1911.
Nise da Silveira era funcionária da Instituição na Praia Vermelha. Durante o Estado Novo, de Getulio Vargas, foi perseguida e deixa o trabalho. Quando ela é anistiada e retorna ao serviço público, vem direto para o Engenho de Dentro. É exatamente quando a Instituição é transferida para aqui, em 1944. A questão é que ela chega numa estrutura de hospital psiquiátrico de modelo bastante clássico, que tem como princípio básico o isolamento de indivíduos considerados incapazes de manter relações sociais, e tem contato com tratamento extremamente invasivos, como o eletrochoque a as psicocirurgias. Impactada com a experiência na prisão e por ter convivido com a tortura, Nise começa a questionar esses mecanismos de tratamento e defender outros métodos de intervenção e de aproximação com esses indivíduos, especialmente pela arte e a terapia ocupacional. O eletrochoque ainda não era difundido quando ela estava presa e quando ela retorna, dá de cara com o treinamento desse novo método terapêutico.
O filme “Nise – O Coração da Loucura” mostra exatamente como a proposta de Nise se contrapunha ao modelo do manicômio. Num primeiro momento, as propostas de Nise não têm muita aceitação entre os próprios psiquiatras, os pares delas. O reconhecimento do trabalho dela no museu aqui no Brasil começou pelos críticos de arte e artistas, que deram valor às obras dos pacientes. Apesar do trabalho revolucionário, aqui, dentro do hospital, ela foi um grão de areia – o projeto hegemônico à época era o das intervenções clássicas, da estrutura do hospício baseada nos princípios de isolamento do indivíduo. O setor dela foi negligenciado pelos outros médicos. Ela foi um ponto fora da curva. Esses princípios básicos do manicômio só começaram a ser mais amplamente questionados no final da década de 70 e anos 80, com a reabertura democrática aqui no Brasil e de um movimento no mundo inteiro pela reforma desses espaços, que exilavam as pessoas consideradas fora do padrão. No início dos anos 2000, surge a lei que institui uma reforma psiquiátrica e cria novos dispositivos substitutivos da internação psiquiátrica, que era o principal método terapêutico até então. Daí surge como política pública oficial serviços que deveriam substituir a prática da internação, como os CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) e ganha força o estímulo a cultura.
Hoje, o projeto do Instituto Municipal Nise da Silveira é a desconstrução desse aparato manicomial. Ou seja, gradativamente, fazer esta transformação, investindo em outras áreas e outros serviços de assistência. Uma desconstrução lenta e gradual, porque eram muitas pessoas internadas. Hoje em dia, temos 100 pessoas, em média, em internações de média permanência, que vêm da emergência, que funciona no PAMde Del Castilho ou vem de outras instituições. Este hospital já abrigou milhares de pessoas. Esta desconstrução inclui ocupar esses espaços com outros projetos, como o Ponto de Cultura Loucura Suburbana, que faz as oficinas de música e organiza o Bloco de Carnaval, o Centro de Convivência aberto a toda comunidade, que organiza passeios, oficinas de fotografia, o Hotel da Loucura, que ocupa antigas enfermarias, também voltado para receber estudantes e artistas, que ficam hospedados e fazem trabalhos com os usuários que circulam na Instituição – internos e os que vem para outras atividades. Além dos serviços de cultura e do atendimento ambulatorial para tratamento com psicólogos e psiquiatrias, realizamos também a reintegração social, em que são atendidas mais de 100 pessoas que estão aqui, alguns há 30/40 anos. Alguns já poderiam ter alta, mas muitos não tem para onde ir. O trabalho é reconstruir esses laços de cidadania e preparar essas pessoas para que, um dia, possam sair para suas famílias ou para residências terapêuticas. A ideia é que não tenha mais ninguém internado, morando, aqui dentro. Alguns desses pacientes que ainda residem aqui e outros que recebem tratamento ambulatorial são mostrados no filme “Nise – O Coração da Loucura”.
Oferecemos um visita guiada, aberta a qualquer interessado em conhecer mais a história do Instituto. Basta ligar e agendar (tel: (021) 3111.7417/email: pesquisa.nise@gmail.com). Fazemos uma apresentação histórica do Instituto, desses saberes e da origem dessas instituições, contamos como funciona o Instituto hoje e como funcionam os serviços ambulatoriais e, por fim, damos uma caminhada pelos espaços e visitamos um dos serviços de cultura: o Museu de Imagens do Inconsciente, o Ponto de Cultura, o Centro de Convivência, o Hotel da Loucura."
Crédito da Imagem: Acervo Instituto Municipal Nise da Silveira / Centro de Documentação e Memória
A historiadora Daniele Ribeiro coordena o Centro de Documentação e Memória do Instituto Municipal Nise da Silveira, que faz a preservação da memória e de pesquisas relacionadas à história da instituição do primeiro centro psiquiátrico instalado no Brasil